O final de "Succession": um testamento ao que o mundo tem de pior

Louis Vidovix
3 min readMay 30, 2023

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SPOILERS. Leia apenas se assistiu à quarta temporada de “Sucession”!

“Eu não acho que você vai ser bom nisso”, disse Shiv para o irmão, Kendall, ao justificar o seu voto de minerva na reunião do Conselho que aprovaria a venda do conglomerado de mídia da família para uma big tech e, por consequência, os removeria, como descendentes do fundador e magnata Logan Roy, da linha de sucessão.

Tudo em “Succession”, desde o título da série que se tornou o filé mignon da programação da HBO, se encaminhava para este desfecho. Por anos, Logan segurou o cobiçado título de CEO da Waystar Royco como uma cenoura numa vara de pescar diante dos filhos ambiciosos — além de Kendal e Shiv, também o playboy Roman (o primogênito Connor, para sua sorte, nunca esteve em cogitação). Mas Logan, morto logo no início desta quarta e última temporada, não parecia esperar que os filhos um dia correspondessem aos seus critérios agressivos de liderança. Por mais que tentasse estimular neles o instinto matador que o colocou no topo do mundo, Logan enxergava as vantagens de incentivar a competitividade e a desconfiança entre os herdeiros para, principalmente, mantê-los desunidos e vulneráveis às suas manipulações.

Ao dedicar seus últimos meses de vida à venda do seu império para um empreendedor tão inescrupuloso como ele, Logan explicitava o que sempre soube: que seus filhos “não seriam bons nisso”. E não era o único. Kendall sabia que Shiv e Roman não seriam bons nisso. Roman sabia que Kendall e Shiv não seriam bons nisso. Shiv sabia que Kendall e Roman não seriam bons nisso (um lembrete que, num raro momento de lucidez, a fez votar a favor da incorporação). Os irmãos só eram incapazes de direcionar o mesmo julgamento impiedoso para si mesmos. Em parte, porque se apegavam aos afagos pontuais do pai, quando era conveniente para Logan massagear os seus egos e pintá-los como os únicos à altura de propagar o seu legado. Em parte, porque, como bilionários blindados da realidade, todos acreditavam ter um direito nato às conquistas sem esforço.

Nos raros momentos em que coube aos personagens exercitar o poder, era evidente a cegueira dos próprios sobre sua completa inaptidão: no desconhecimento dos trâmites corporativos, na euforia para emplacar ideias mirabolantes, nas negociações em que deram lances de bilhões acima do valor de mercado só para sair por cima. Tom, o marido de Shiv coroado como CEO após a incorporação, não padece da mesma desilusão: ao contrário dos irmãos Roy, ele “veio de baixo”, como Logan e o programador sueco que arrematou a empresa. Tom aprendeu a transitar pelos bastidores do poder ciente das suas limitações. Em vez de se julgar um tubarão como a esposa e os cunhados, ele sabe que não tem dentes. Sabe também que, na sua posição, a estratégia mais benéfica é se tornar um operário leal dos verdadeiros predadores — tem todos os atributos de um “fantoche”, e fez as pazes com isso.

“Succession” já cravou seu lugar entre as melhores séries da História e será mencionada e estudada por anos no futuro. Em retrospecto, este episódio final, que frustrou alguns torcedores dos irmãos Roy, será louvado como um testamento da visão do criador Jesse Armstrong sobre a atual cultura dos bilionários: a conclusão adequada para um conto sobre um mundo em que os interesses do capital se sobrepõem às noções da ética e da moral e em que os verdadeiros “vencedores”, para além dos ganhos individuais, são aqueles que compreendem este mundo em toda a sua crueza e crueldade.

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