"O Japão já ganhou"

Louis Vidovix
4 min readNov 7, 2023

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Na metade de uma viagem de 21 dias pelo Japão com um grupo de amigos brasileiros, alguns de nós ainda buscávamos um destino próximo a Tóquio, onde teríamos mais de uma semana antes da volta ao Brasil, para um passeio breve (uma day trip, por assim dizer).

Eis que, no hostel de Koyasan — uma cidadezinha bucólica entre as montanhas e o berço do budismo no Japão –, cruzamos com uma turista italiana que, viajando sozinha, já tinha passado por muitos dos pontos considerados “obrigatórios” nos guias de viagem. Para ela, destinos badalados como Nikko foram uma leve decepção — já Kamakura, uma cidade litorânea e reduto dos surfistas e pescadores, havia sido surpreendente e encantadora.

Kamakura Daibutsu, o Grande Buda — Kamakura, Japão.

Dias depois, numa cafeteria em Tóquio (que viralizou nas redes por seus doces em formato de Totoro, mascote dos estúdios Ghibli), mencionamos Kamakura como uma possibilidade para um britânico e duas japonesas que engataram numa conversa conosco e nos perguntaram para onde fomos e onde iríamos. O gringo arregalou os olhos de imediato e reagiu com entusiasmo: “Sim! Vão para Kamakura!”. Ora, pois então estava decidido!

Como disse Laurinha, minha amiga e colega de quarto, “Kamakura está chamando”. Chamou tanto que, em vez de um bate-e-volta, decidimos passar uma noite por lá e retornar a Tóquio no dia seguinte. (Não contávamos que o dia seguinte seria feriado no Japão e que, na pernada da volta, encontraríamos todos os transportes abarrotados por moradores de Tóquio — faz parte de experienciar a realidade!)

Fomos a Kamakura sem muito planejamento — de fato, desde o agendamento das estadias flexíveis, queríamos a oportunidade de alterar os planos de última hora. Este foi o nosso estilo de viagem, que não é melhor e nem pior, apenas diferente, daqueles que preferem deixar o Brasil com um itinerário bem definido e clareza de tudo o que querem ver e fazer.

Na falta de uma pesquisa mais aprofundada sobre Kamakura, recorremos a vídeos no TikTok que propunham um roteiro de um dia — um roteiro que só poderia ser seguido à risca sem considerar um tempo para apreciar devidamente cada lugar, e sem incluir na equação a exaustão natural de uma viagem que já se aproxima do fim, quando os pés estão doloridos e as bolhas já estouram nos dedos.

Nessa circunstância, em vez de caminhar 50 minutos para o ponto “indicado” para presenciar o pôr-do-sol, decidimos parar no meio do caminho, num bar com mesas ao ar livre. Ali, acomodamos os traseiros e pedimos umas cervejas e pipocas de camarão (deliciosas!) como aperitivos — em retrospecto, não teríamos feito outra escolha. Não tivemos a melhor vista do pôr-do-sol, mas ainda vimos o sol se por na silhueta distante do Monte Fuji, com o conforto que tanto necessitávamos.

Pôr-do-sol — Kamakura, Japão.

Eu não vou dizer aqui o nome deste bar ou recomendar que você faça o mesmo se estiver em Kamakura. Porque pode ser que você conheça Kamakura no início da viagem, com pique de sobra e energia para caminhar até a praia recomendada pelos TikTokers. Porque talvez você não beba álcool ou tenha alergia a camarão. Porque, afinal, cada viagem é única, e não tem essa de que você PRECISA fazer isso ou provar aquilo.

Tudo depende do seu ritmo, da necessidade de alternar dias de bate-perna intensos com períodos de descanso, de entender o que faz sentido em cada momento. Depois de visitar o décimo primeiro templo, você talvez não se sinta inclinado a pegar um trem de duas horas para visitar os templos de uma cidade próxima. Depois de perambular pelas ruas desde as 6 da manhã e estar exausto à noite (quando as cidades ganham um charme extra com uma profusão de luzes de LED), você pode preferir dormir até mais tarde e se poupar para um passeio noturno.

Tente deixar de lado a culpa de estar “perdendo algo”. Aceite que o Japão já ganhou, que será impossível vivenciar tudo o que o país tem a oferecer. Vá até onde sua zona de conforto te permitir. Se você tem um paladar curioso e quer experimentar um pouco de tudo, vá em frente! Mas não há nada de errado em pedir uma Coca zero em vez de arriscar um refrigerante local que pode te revirar o estômago no primeiro gole. (Eu mesmo voltei sem provar a tradicional sobremesa com feijão.)

Poderia compartilhar um pouco das experiências de viajar por Kyoto, Osaka, Koyasan, Nagoya, Tóquio e, claro, Kamakura. Mas de que adiantaria? Seguindo a deixa deste post: sinta-se livre para ir na sua, para ignorar o que eu e todos os outros viajantes ou guias turísticos temos a dizer e seguir os seus instintos, os seus gostos, o seu condicionamento. Aí, sim, você vai conhecer o Japão nos seus termos — com a paz interior de compreender que, mesmo na mais transformadora das viagens, o Japão já ganhou.

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